QUANDO A LEITURA E A ESCRITA TÊM SUAS INTERPRETAÇÕES

Professor, Palestrante e Especialista em Educação

Ninguém pode negar que a forma mais eficiente de adquirir conhecimento é a leitura. É com ela que podemos absorver informações, confirmar um aprendizado, tornarmo-nos mais cultos e derrubar as barreiras do preconceito. O domínio da leitura, para o homem, é um elemento de inclusão social.  Muito me entristece quando vejo alguém, principalmente adultos, com as mais diferentes desculpas, seja ela por estar sem os óculos ou não estou enxergando bem, ao solicitar a ajuda na leitura de um aviso ou destino de um ônibus, que na realidade, muitas vezes, representa a falta do domínio da leitura. Podemos até, quem sabe, creditar a diversos fatores, ora sociais, econômicos ou políticos, essa carência, decorrente do distanciamento de tantas pessoas nessas condições em nosso país, dos bancos das escolas.  Apesar das dificuldades ainda existirem no Brasil e também, muito crescentes, infelizmente, percebe-se que o número de alunos nas escolas aumentou consideravelmente nos últimos anos, seja nas capitais ou no interior do país; seja no pré-escolar, passando pelo ensino fundamental e ensino médio, e até na formação supletiva de jovens e adultos. Permite-nos acreditar que a qualidade da educação melhorou. Mas na realidade, não é bem assim. A alfabetização pode para muitos especialistas, ser, a confirmação da aquisição da capacidade de escrever, de aglutinar sinais, formando palavras, frases, períodos, contextualizados ou não, coerentes, quem sabe, mas que possa representar algo escrito. Já a leitura, também confirma a alfabetização, mesmo que seja somente a decodificação de sinais, somente. Mas na realidade, também não é bem assim. Ler e escrever são dois domínios de mão única, que se completam e complementam. Ninguém escreve por escrever, exclusivamente, ou seja, escrevendo, põe em prática a sua capacidade criativa, reflexiva, analítica e perceptiva, de uma situação, real, que pode levar, também, a construção de uma situação ilusiva ou surreal, traduzida pela sua capacidade de leitura muito mais profunda do que seu globo ocular pode permitir com o seu auxílio.  Ler é muito mais que decodificar. A leitura é a absorção de conhecimento, de informações, que alimentam a nossa memória e que nos permitem, com sabedoria, externá-los oportunamente, muitas vezes, através da leitura em voz alta, como porta-vozes da cultura, e com de texto, escritos, construídos por nós mesmo. Representa ser uma roda-viva de conhecimento. Mas, infelizmente, a leitura e a escrita não são enxergados com recursos em favor da educação, do fortalecimento do conhecimento. Ainda estamos muito distantes de vê-las com um instrumento de edificação cultural e social, quanto mais, de derrubada de barreiras, de paradigmas. Estímulos para isso são restritos, diante de tantos interesses contrários. E assim, Saber codificar e decodificar parece ser o suficiente para o cidadão brasileiro, e o conveniente para os comandantes deste país.

A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER

A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER (*)

PAULO FREIRE

Rara tem sido a vez, ao longo de tantos anos de prática pedagógica, por isso política, em que me tenho permitido a tarefa de abrir, de inaugurar ou de encerrar encontros ou congressos.

Aceitei fazê-lo agora, da maneira, porém, menos formal possível. Aceitei vir aqui para falar um pouco da importância do ato de ler.

Me parece indispensável, ao procurar falar de tal importância, dizer algo do momento mesmo em que me preparava para aqui estar hoje; dizer algo do processo em que me inseri enquanto ia escrevendo este texto que agora leio, processo que envolvia uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. Ao ensaiar escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti levado – e até gostosamente – a “reler” momentos fundamentais de minha prática, guardados na memória, desde as experiências mais remotas de minha infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica da importância do ato de ler se veio em mim constituindo.

Ao ir escrevendo este texto, ia “tomando distância” dos diferentes momentos em que o ato de ler se veio dando na minha experiência existencial. Primeiro, a “leitura” do mundo, do pequeno mundo em que se movia; depois, a leitura da palavra que nem sempre, ao longo de minha escolarização, foi a leitura da “palavramundo”.

A retomada da infância distante, buscando a compreensão do meu ato de “ler” o mundo particular em que me movia – e até onde não sou traído pela memória -, me é absolutamente significativa. Neste esforço a que me vou entregando, re-crio, e re-vivo, e no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. Me vejo então na casa mediana em que nasci, no Recife, rodeada de árvores, algumas delas como se fossem gente, tal a intimidade entre nós – à sua sombra brincava e em seus galhos mais dóceis à minha altura eu me experimentava em riscos menores que me preparavam para riscos e aventuras maiores. A velha casa, seus quartos, seu corredor, seu sótão, seu terraço – o sítio das avencas de minha mãe -, o quintal amplo em que se achava, tudo isso foi o meu primeiro mundo. Nele engatinhei, balbuciei, me pus de pé, andei, falei. Na verdade, aquele mundo especial se dava a mim como o mundo de minha atividade perceptiva, por isso mesmo como o mundo de minhas primeiras leituras. Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto – em cuja percepção me experimentava e, quanto mais o fazia, mais aumentava a capacidade de perceber – se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão eu ia apreendendo no meu trato com eles nas minhas relações com meus irmãos mais velhos e com meus pais.

Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto se encarnavam no canto dos pássaros – o do sanhaçu, o do olho-pro-caminho-quem-vem, o do bem-te-vi, o do sabiá; na dança das copas das árvores sopradas por fortes ventanias que anunciavam tempestades, trovões, relâmpagos; as águas da chuva brincando de geografia: inventando lagos, ilhas, rios, riachos. Os “textos”, as “palavras”, as “letras”, daquele contexto se encarnavam também no assobio do vento, nas nuvens do céu, nas suas cores, nos seus movimentos; na cor das folhagens, na forma das folhas, no cheiro das flores – das rosas, dos jasmins -, no corpo das árvores, na casca dos frutos. Na tonalidade diferente de cores de um mesmo fruto em momentos distintos: o verde da manga-espada, o verde da manga-espada inchada; o amarelo esverdeado da mesma manga amadurecendo, as pintas negras da manga mais além de madura. A relação entre estas cores, o desenvolvimento do fruto, a sua resistência à nossa manipulação e o seu gosto. Foi nesse tempo, possivelmente, que eu, fazendo e vendo fazer, aprendi a significação da ação de amolegar.

Daquele contexto faziam parte igualmente os animais – os gatos da família, a sua maneira manhosa de enroscar-se nas pernas da gente, o seu miado, de súplica ou de raiva; Joli, o velho cachorro negro de meu pai, o seu mau humor, toda vez que um dos gatos incautamente se aproximava demasiado do lugar em que se achava comendo e que era seu – “estado de espírito”, o de Joli, em tais momentos, completamente diferente do de quando quase desportivamente perseguia, acuava e matava um dos muitos timbus responsáveis pelo sumiço de gordas galinhas de minha avó.

Daquele contexto – o do meu mundo imediato – fazia parte, por outro lado, o universo da linguagem dos mais velhos, expressando as suas crenças, os seus gostos, os seus receios, os seus valores. Tudo isso ligado a contextos mais amplos que o do mundo imediato e de cuja existência eu não podia sequer suspeitar.

No esforço de re-tomar a infância distante, a que já me referi, buscando a compreensão do meu ato de ler o mundo particular em que me movia, permitam-me repetir, re-crio, re-vivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. E algo que me parece importante, no contexto geral de que venho falando, emerge agora insinuando a sua presença no corpo destas reflexões. Me refiro a meu medo das almas penadas cuja presença entre nós era permanente objeto das conversas dos mais velhos, no tempo de minha infância. As almas penadas precisavam da escuridão ou da semi-escuridão para aparecer, das formas mais diversas – gemendo a dor de suas culpas, gargalhando zombeteiramente, pedindo orações ou indicando esconderijos de botijas. Ora, até possivelmente os meus sete anos, o bairro do Recife onde nasci era iluminado por lampiões que se perfilavam, com certa dignidade, pelas ruas. Lampiões elegantes que, ao cair da noite, se “davam” à vara mágica de seus acendedores. Eu costumava acompanhar, do portão de minha casa, de longe, a figura magra do “acendedor de lampiões” de minha rua, que vinha vindo, andar ritmado, vara iluminadora ao ombro, de lampião a lampião, dando luz à rua. Uma luz precária, mais precária do que a que tínhamos dentro de casa. Uma luz muito mais tomada pelas sombras do que iluminadora delas.

Não havia melhor clima para peraltices das almas do que aquele. Me lembro das noites em que, envolvido no meu próprio medo, esperava que o tempo passasse, que a noite se fosse, que a madrugada semiclareada viesse chegando, trazendo com ela o canto dos passarinhos “manhecedores”.

Os meus temores noturnos terminaram por me aguçar, nas manhãs abertas, a percepção de um sem-número de ruídos que se perdiam na claridade e na algazarra dos dias e que eram misteriosamente sublinhados no silêncio fundo das noites.

Na medida, porém, em que me fui tornando íntimo do meu mundo, em que melhor o percebia e o entendia na “leitura” que dele ia fazendo, os meus temores iam diminuindo.

Mas, é importante dizer, a “leitura” do meu mundo, que me foi sempre fundamental, não fez de mim um menino antecipado em homem, um racionalista de calças curtas. A curiosidade do menino não iria distorcer-se pelo simples fato de ser exercida, no que fui mais ajudado do que desajudado por meus pais. E foi com eles, precisamente, em certo momento dessa rica experiência de compreensão do mundo imediato, sem que tal compreensão tivesse dignificado malquerenças ao que ele tinha de encantadoramente misterioso, que eu comecei a ser introduzido na leitura da palavra. A decifração da palavra fluía naturalmente da “leitura” do mundo particular. Não era algo que se estivesse dando superpostamente a ele. Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, co palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz.

Por isso é que, ao chegar à escolinha particular de Eunice Vasconcelos, cujo desaparecimento recente me feriu e me doeu, e a quem presto agora uma homenagem sentida, já estava alfabetizado. Eunice continuou e aprofundou o trabalho de meus pais. Com ela, a leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais significou uma ruptura com a “leitura” do mundo. Com ela, a leitura da palavra foi a leitura da “palavramundo”.

Há pouco tempo, com profunda emoção, visitei a casa onde nasci. Pisei o mesmo chão em que me pus de pé, andei, corri, falei e aprendi a ler. O mesmo mundo – primeiro mundo que se deu à minha compreensão pela “leitura” que dele fui fazendo. Lá, re-encontrei algumas das árvores da minha infância. Reconheci-as sem dificuldade. Quase abracei os grossos troncos – os jovens troncos de minha infância. Então, uma saudade que eu costumo chamar de mansa ou de bem comportada, saindo do chão, das árvores, da casa, me envolveu cuidadosamente. Deixei a casa contente, com a alegria de quem re-encontra gente querida.

Continuando neste esforço de “re-ler” momentos fundamentais de experiências de minha infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica da importância do ato de ler se veio em mim constituindo através de sua prática, retomo o tempo em que, como aluno do chamado curso ginasial, me experimentei na percepção crítica dos textos que lia em classe, com a colaboração, até hoje recordada, do meu então professor de língua portuguesa.

Não eram, porém, aqueles momentos puros exercícios de que resultasse um simples dar-nos conta da existência de uma página escrita diante de nós que devesse ser cadenciada, mecânica e enfadonhamente “soletrada”, em vez de realmente lida. Não eram aqueles momentos “lições de leitura”, no sentido tradicional desta expressão. Eram momentos em que os textos se ofereciam à nossa inquieta procura, incluindo a do então jovem professor José Pessoa. Algum tempo depois, como professor também de português, nos meus vinte anos, vivi intensamente a importância do ato de ler e de escrever, no fundo indicotomizáveis, com alunos das primeiras séries do então chamado curso ginasial. A regência verbal, a sintaxe de concordância, o problema da crase, o sinclitismo pronominal, nada disso era reduzido por mim a tabletes de conhecimentos que devessem ser engolidos pelos estudantes. Tudo isso, pelo contrário, era proposta à curiosidade dos alunos de maneira dinâmica e viva, no corpo mesmo dos textos, ora de autores que estudávamos ora deles próprios, como objetos a ser desvelados e não como algo parado, cujo perfil eu descrevesse. Os alunos não tinham que memorizar mecanicamente a descrição do objeto, mas apreender a sua significação profunda. Só apreendendo-a seriam capazes de saber, por isso, de memorizá-la, de fixá-la. A memorização mecânica da descrição do objeto não se constitui em conhecimento do objeto. Por isso é que a leitura de um texto, tomado como pura descrição de um objeto e feita no sentido de memorizá-la, nem é real leitura nem dela, portanto, resulta o conhecimento do objeto de que o texto fala.

Creio que muito de nossa insistência, enquanto professoras e professores, em que os estudantes “leiam”, num semestre, um sem-número de capítulos de livros, reside na compreensão errônea que às vezes temos do ato de ler. Em minha andarilhagem pelo mundo, não foram poucas as vezes em que jovens estudantes me falaram de sua luta às voltas com extensas bibliografias a ser muito mais “devoradas” do que realmente lidas ou estudadas. Verdadeiras “lições de leitura” no sentido mais tradicional desta expressão, a que se achavam submetidos em nome de sua formação científica e de que deviam prestas contas através do famoso controle de leitura. Em algumas vezes cheguei mesmo a ler, em relações bibliográficas, indicações em torno de que páginas deste ou daquele capítulo de tal ou qual livro deveriam ser lidas: “Da página 15 à 37”.

A insistência na quantidade de leituras sem o devido adentramento dos textos a ser compreendidos, e não mecanicamente memorizados, revela uma visão mágica da palavra escrita. Visão que urge ser superada. A mesma, ainda que encarnada desde outro ângulo, que se encontra, por exemplo, em quem escreve, quando identifica a possível qualidade de seu trabalho, ou não, com a quantidade de páginas escritas. No entanto, um dos documentos filosóficos mais importantes de que dispomos, As teses sobre Feuerbach, de Marx, tem apenas duas páginas e meia…

Parece importante, contudo, para evitar uma compreensão errônea do que estou afirmando, sublinhar que a minha crítica à magicização da palavra não significa, de maneira alguma, uma posição pouco responsável da minha parte com relação à necessidade que temos educadores e educandos de ler, sempre e seriamente, de ler os clássicos neste ou naquele campo do saber, de nos adentrarmos nos textos, de criar uma disciplina intelectual, sem a qual inviabilizamos a nossa prática de professores e estudantes.

Dentro ainda do momento bastante rico de minha experiência como professor de língua portuguesa, me lembro, tão vivamente quanto se ela fosse de agora e não de um ontem bem remoto, das vezes em que me demorava na análise de textos de Gilberto Freyre, de Lins do Rego, de Graciliano Ramos, de Jorge Amado. Textos que eu levava de casa e que ia lendo com os estudantes, sublinhando aspectos de sua sintaxe estritamente ligados ao bom gosto de sua linguagem. Àquelas análises juntava comentários em torno de necessárias diferenças entre o português de Portugal e o português do Brasil.

Venho tentando deixar claro, neste trabalho em torno da importância do ato de ler – e não é demasiado repetir agora -, que meu esforço fundamental vem sendo o de explicitar como, em mim, aquela importância vem sendo destacada. É como se eu estivesse fazendo uma “arqueologia” de minha compreensão do complexo ato de ler, ao longo de minha experiência existencial. Daí que eu tenha falado de momentos de minha infância, de minha adolescência, dos começos de minha mocidade e termine agora re-vendo, em traços gerais, alguns dos aspectos centrais da proposta que fiz no campo da alfabetização de adultos há alguns anos.

Inicialmente me parece interessante reafirmar que sempre vi a alfabetização de adultos como um ato político e um ato de conhecimento, por isso mesmo, como um ato criador. Para mim seria impossível engajar-me num trabalho de memorização mecânica dos ba-be-bi-bo-bu, dos la-le-li-lo-lu. Daí que também não pudesse reduzir a alfabetização ao ensino puro da palavra, das sílabas ou das letras. Ensino em cujo processo o alfabetizador fosse “enchendo” com suas palavras as cabeças supostamente “vazias” dos alfabetizandos. Pelo contrário, enquanto ato de conhecimento e ato criador, o processo de alfabetização tem, no alfabetizando, o seu sujeito. O fato de ele necessitar da ajuda do educador, como ocorre em qualquer relação pedagógica, não significa dever a ajuda do educador anular a sua criatividade e a sua responsabilidade na construção de sua linguagem escrita e na leitura desta linguagem. Na verdade, tanto o alfabetizador quanto o alfabetizando, ao pegarem, por exemplo, um objeto, como faço agora com o que tenho entre os dedos, sentem o objeto, percebem o objeto sentido e são capazes de expressar verbalmente o objeto sentido e percebido. Como eu, o analfabeto é capaz de sentir a caneta, de perceber a caneta, de dizer caneta, mas também de escrever caneta e, conseqüentemente, de ler caneta. A alfabetização é a criação ou a montagem da expressão escrita da expressão oral. Esta montagem não pode ser feita pelo educador para ou sobre o alfabetizando. Aí tem ele um momento de sua tarefa criadora.

Creio desnecessário me alongar mais, aqui e agora, sobre o que tenho desenvolvido, em diferentes momentos, a propósito da complexidade deste processo. A um ponto, porém, referido várias vezes neste texto, gostaria de voltar, pela significação que tem para a compreensão crítica do ato de ler e, conseqüentemente, para a proposta de alfabetização a que me consagrei. Refiro-me a que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. Na proposta a que me referi acima, este movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente. Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente.

Este movimento dinâmico é um dos aspectos centrais, para mim, do processo de alfabetização. Daí que sempre tenha insistido em que as palavras com que organizar o programa de alfabetização deveriam vir do universo vocabular dos grupos populares, expressando a sua real linguagem, os seus anseios, as suas inquietações, as suas reivindicações, os seus sonhos. Deveriam vir carregadas da significação de sua experiência existencial e não da experiência do educador. A pesquisa do que chamava de universo vocabular nos dava assim as palavras do Povo, grávidas de mundo. Elas nos vinham através da leitura do mundo que os grupos populares faziam. Depois, voltavam a eles, inseridas no que chamava e chamo de codificações, que são representações da realidade.

A palavra tijolo, por exemplo, se inseriria numa representação pictórica, a de um grupo de pedreiros, por exemplo, construindo uma casa. Mas, antes da devolução, em forma escrita, da palavra oral dos grupos populares, a eles, para o processo de sua apreensão e não de sua memorização mecânica, costumávamos desafiar os alfabetizandos com um conjunto de situações codificadas de cuja descodificação ou “leitura” resultava a percepção crítica do que é cultura, pela compreensão da prática ou do trabalho humano, transformador do mundo. No fundo, esse conjunto de representações de situações concretas possibilitava aos grupos populares uma “leitura” da “leitura” anterior do mundo, antes da leitura da palavra.

Esta “leitura” mais crítica da “leitura” anterior menos crítica do mundo possibilitava aos grupos populares, às vezes em posição fatalista em face das injustiças, uma compreensão diferente da sua indigência.

É neste sentido que a leitura crítica da realidade, dando-se num processo de alfabetização ou não e associada sobretudo a certas práticas claramente políticas de mobilização e de organização, pode constituir-se num instrumento para o que Gramsci chamaria de ação contra-hegemônica.

Concluindo estas reflexões em torno da importância do ato de ler, que implica sempre percepção crítica, interpretação e “re-escrita” do lido, gostaria de dizer que, depois, de hesitar um pouco, resolvi adotar o procedimento que usei no tratamento do tema, em consonância com a minha forma de ser e com o que posso fazer.

Finalmente, quero felicitar os idealizadores e os organizadores deste Congresso. Nunca, possivelmente, temos necessitado tanto de encontros como este, como agora.

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(*)Trabalho apresentado na abertura no Congresso Brasileiro de Leitura, realizado em Campinas, nov. 1981.

 
REFERÊNCIA

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. In: A importância do ato de ler: em três textos que se completam. 51.ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Coleção questões da nossa época; v. 22.) p.19-31.

Levante sua voz!!!

Levante sua voz from Pedro Ekman on Vimeo.

Vídeo produzido pelo Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social com o apoio da Fundação Friedrich Ebert Stiftung remonta o curta ILHA DAS FLORES de Jorge Furtado com a temática do direito à comunicação. A obra faz um retrato da concentração dos meios de comunicação existente no Brasil.

Roteiro, direção e edição: Pedro Ekman
Produção executiva e produção de elenco: Daniele Ricieri
Direção de Fotografia e câmera: Thomas Miguez
Direção de Arte: Anna Luiza Marques
Produção de Locação: Diogo Moyses
Produção de Arte: Bia Barbosa
Pesquisa de imagens: Miriam Duenhas
Pesquisa de vídeos: Natália Rodrigues
Animações: Pedro Ekman
Voz: José Rubens Chachá

MINHA VIDA – Bertrand Russel

Três paixões, simples mas irresistivelmente fortes, governaram minha vida: o desejo imenso do amor, a procura do conhecimento e a insuportável compaixão pelo sofrimento da humanidade. Essas paixões, como os fortes ventos, levaram-me de um lado para outro, em caminhos caprichosos, para além de um profundo oceano de angústias, chegando à beira do verdadeiro desespero.
Primeiro busquei o amor, que traz o êxtase – êxtase tão grande que sacrificaria o resto de minha vida por umas poucas horas dessa alegria. Procurei-o, também, porque abranda a solidão – aquela terrível solidão em que uma consciência horrorizada observa, da margem do mundo, o insondável e frio abismo sem vida. Procurei-o, finalmente, porque na união do amor vi, em mística miniatura, a visão prefigurada do paraíso que santos e poetas imaginaram. Isso foi o que procurei e, embora pudesse parecer bom demais para a vida humana, foi o que encontrei.
Com igual paixão busquei o conhecimento. Desejei compreender os corações dos homens. Desejei saber por que as estrelas brilham. E tentei apreender a força pitagórica pela qual o número se mantém acima do fluxo. Um pouco disso, não muito, encontrei.
Amor e conhecimento, até onde foram possíveis, conduziram-me aos caminhos do paraíso. Mas a compaixão sempre me trouxe de volta à Terra. Ecos de grito de dor reverberam em meu coração. Crianças famintas, vítimas torturadas por opressores, velhos desprotegidos – odiosa carga para seus filhos – e o mundo inteiro de solidão, pobreza e dor transformaram em arremedo o que a vida humana poderia ser. Anseio ardentemente aliviar o mal, mas não posso, e também sofro.
Isso foi a minha vida. Achei-a digna de ser vivida e vivê-la-ia de novo com a maior alegria se a oportunidade me fosse oferecida.

(Bertrand Russel, Revista Mensal de Cultura, n. 53, p. 83)

Interatividade na Educação – Profº Dr. Marco Silva

Marco Silva é sociólogo, doutor em Educação, professor-adjunto da Faculdade de Educação da UERJ e professor-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estácio de Sá; organizador do livro Educação Online (Edições Loyola) e um dos organizadores do livro Avaliação da Aprendizagem em Educação Online (Edições Loyola).

Entrevista concedida em dezembro de 2010.

http://www.saladeaulainterativa.pro.br // mparangole@gmail.com

O computador pode ser um grande aliado na alfabetização de adultos

Fonte Nova Escola

Neste trecho do vídeo do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), do MEC, Emilia Ferreiro fala sobre o uso do computador na alfabetização de adultos. Na sequência, é apresentada uma aula em que os alunos adultos escrevem no computador um texto que sabem de memória.

Jogos ensinam crianças sobre os perigos do crack

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O Brasil amarga a primeira colocação no ranking de países que mais consomem crack no mundo, aponta um estudo divulgado neste ano pela Universidade Federal de São Paulo. Enquanto os índices parecem crescer assustadoramente no país, parecem faltar iniciativas mais incisivas, sobretudo nas escolas, que trabalhem a conscientização de crianças e adolescentes. Essa preocupação levou a Secretaria de Desenvolvimento Social de Direitos Humanos a pedir para a Unicap (Universidade Católica de Pernambuco) um estudo científico sobre o crack. A universidade topou o desafio e decidiu ir além: criar também jogos, em parceria com a faculdade de jogos digitais, para criar games gratuitos que instruam e ajudem crianças de comunidades de baixa renda no combate ao consumo da droga, partindo de situações do dia a dia.

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‘Não podemos ver o celular como inimigo’.

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“Existem inúmeras escolas em que o aluno não pode entrar com o celular. Precisamos romper essa barreira, a de que o aparelho é um inimigo”, afirma Antônio Carlos Xavier, pesquisador-chefe de Nehte (Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologia Educacional), da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

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